sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Excertos do livro: Linha Azul de Hélder Spínola

"(...) concentrando mais de metade de toda a massa humana em cidades e reclamando cada vez mais energia, água, alimentos, tecnologias e matérias-primas, despejando mais esgotos no rio, lançando mais fumo na atmosfera e asfixiando, ainda mais, o solo à sua volta (...)"

"(...) Portugal queria ser um país desenvolvido, e isso para a maior parte dos governantes e empresários, para além de muitos cidadãos, significava asfaltar e betonizar as florestas, as dunas, os leitos das linhas de água e, mesmo, os campos agrícolas. Olhavam as paisagens naturais e diziam que estavam que estavam "sujas" de mato. Olhavam qualquer terreno inculto e achavam que estava abandonado. Gostavam de fugir à confusão das cidades em espaços "naturais" onde pudessem estender romanticamente uma toalha de piquenique sobre um relvado esterilizado. A natureza tinha de ser um verde quase sintético, onde não seriam incomodados por um qualquer animal peçonhento, e onde, para observar algumas espécies de fauna, bastar-lhes-ia ir ao jardim zoológico. Gostavam de fazer férias da cidade sem abandonar o seu entranhado conforto e exigiam autoestradas até aos parques naturais para não necessitarem sair dos seus casulos viajantes. Apostavam em grandes hotéis no meio da natureza para poderem desfrutar dela a partir da varanda e tudo o que fosse património cultural cheirava-lhes a mofo, só tinha lugar num qualquer museu esquecido (...)."

[In]Actividade

Esta cidade não quer evolução.
Não quer actividade.
Não quer acção.
Mas porquê?


E será só a Guarda?!
Ou também o País?!
Ou o Mundo inteiro?! 

"Pelo que conheço das pessoas, elas querem fazer o que acreditam estar certo e gostam de ser admiradas por isso."

A frase não é a minha. É da autoria de Filipe Mota numa conversa no facebook no dia 19/08/2013.

domingo, 3 de agosto de 2014

Reflexões de uma noite mal dormida

1. Tu queres ajudar mas as pessoas não querem ser ajudadas.

2. Não deixes de dar o teu melhor independentemente [do que pensam] [d]os outros.

sábado, 2 de agosto de 2014

Paço com Passo | 1 de Agosto | Guarda

Foi este o nome dado à iniciativa que decorreu esta noite no Paço da Cultura na Guarda. Na qual houve música, teatro, poesia e acima de tudo muito convívio.

Interpretei mais um papel de teatro como resultado de uma oficina de teatro que frequentei em Junho e Julho dinamizada por Ana Estêvão.

Sinopse da peça "Você quer ser deputado?"
"[Trata-se de] Um conto escrito pelo argentino Robert Arlt (1900-1942) na década de 30 [do século XX], conhecida pela década infame. Estes tempos foram marcados pela mentira política, a fraude eleitoral, golpes de estado sucessivos e corrupção que mergulharam a população numa crescente descrença na democracia e nas instituições. Nesta conjuntura assinou-se o pacto Roca-Runciman com o Reino Unido que garantia a exportação de carne em troca de grandes concessões económicas por parte da Argentina. Num contexto mundial de depressão económica que teve início em 1929, o pior e mais longo período de recessão económica do século XX, que causou altas taxas de desemprego, quedas drásticas do PIB, na produção industrial, nos preços das acções, e em praticamente todo medidor de actividade económica um pouco por todo o mundo.

Este conto expressa essa decrescença por parte da população no sistema político e nas instituições, sentimento partilhado hoje por grande parte da população portuguesa."

Publico em baixo o texto da autoria de Robert Arlt (dramaturgo e jornalista argentino) dada a sua importância e grandiosidade de mensagem. Espero que gostem.

"Senhores: Aspiro a ser deputado porque aspiro a roubar em grande e a acomodar-me melhor. A minha finalidade não é salvar o país da ruína em que o afundaram as anteriores administrações de companheiros sem vergonha, não, senhores, não é esse o meu elementar propósito, mas sim, íntima e ardorosamente, desejo contribuir ao trabalho de saqueio com que se esvaziam as arcas do Estado, aspiração nobre que vocês têm que compreender é a mais intensa e efectiva que guarda o coração de todo o homem que se apresenta a candidato a deputado.

Roubar não é fácil senhores. Para roubar necessitam-se determinadas condições que os meus rivais não têm. Antes de tudo é necessário ser um cínico perfeito, e eu sou-o, não duvidem senhores. Em segundo lugar, necessita ser-se um traidor e eu também o sou, senhores. Saber vender-se oportunamente, não desavergonhadamente mas sim evolutivamente. A posição do país não encontra concorrente nem por um prato de feijões no actual momento histórico e transcendental. E acreditem, senhores, eu serei um ladrão, mas antes de me vender por um prato de feijões, acreditem... Prefiro ser honrado. Abranjam a magnitude do meu sacrifício, e perceberão que sou um perfeito candidato a deputado. É verdade que quero roubar, mas: Quem não quer roubar? Digam-me vocês quem é o descarado que nestes momentos de confusão não quer roubar. Se esse homem existe, eu deixo-me crucificar.

Os meus colegas também querem roubar, é verdade, mas não sabem roubar. Venderão o país por uma migalha, e isso é injusto. Eu venderei a minha pátria, mas bem vendida. Vocês sabem que as arcas do Estado estão enxutas, ou seja, que não têm um maldito cobre para satisfazer a dívida externa; ora bem, eu leiloarei o país em cem mensalidades, de Trás-os-Montes ao Algarve sem esquecer as ilhas. E não só traficarei o Estado, como também me acomodarei com comerciantes, com falsificadores de alimentos, com empresários, adquirirei armas inofensivas para o Estado, que são um modo muito mais eficaz de evitar a guerra que tendo armas de ofensiva efectiva, impostos às moscas e aos cães! O que não roubarei eu, senhores! O que é que eu não roubarei? E se forem capazes de enunciar uma só matéria na qual eu não seja capaz de roubar, renuncio ipso facto à minha candidatura.

Pensem nisto, nem que seja um minuto, senhores cidadãos. Pensem-nos! Eu roubei. Sou um grande ladrão. E se vocês não acreditam na minha palavra, podem ir à esquadra e consultar o meu cadastro, verão que performances tenho! Verão que sou o único entre todos estes hipócritas que querem salvar o país, absolutamente o único que pode leiloar até ao último centímetro de terra portuguesa... Inclusive proponho vender a Assembleia da República e instalar um bordel no Palácio da Justiça. Porque se eu ando em liberdade ... é porque não há justiça, senhores."